sábado, 4 de outubro de 2008

O SIGNIFICADO DO CONHECIMENTO: DO FINANCISMO AO COGNITIVISMO

I. PROBLEMAS ESTRUTURAIS E FINANCISMO
A baixa dimensão e grande fragmentação das empresas agrícolas portuguesas é, reconhecidamente, a maior limitação estrutural da nossa agricultura, somando-se ao nível etário e problemas de literacia. Apesar de estarmos, cada vez mais, expostos às lógicas concorrenciais do mercado, estas não parecem ter impulsionado passos, significativos, neste domínio, não nos aproximando, suficientemente, da dimensão média das explorações nos países concorrentes.
Depois de um entusiasmo com o emparcelamento, que começou a desbotar ainda durante os anos noventa, foi surgindo a ideia da cooperação inter-empresarial, enquanto panaceia para os males da escala micro.
Esta ideia atingiu agora um ponto alto, com o aparecimento da figura de candidaturas conjuntas, no âmbito do programa PRODER. Contudo, não parece que esta figura tenha condições para ser já um sucesso. Mais uma vez, talvez tenha faltado o apoio, financeiro e cognitivo, a projectos-piloto que pudessem desenvolver e demonstrar esta ideia. A velha tendência, de tentar resolver os problemas com legislação unicamente carregando apoios financeiros mostrou, mais uma vez, os seus limites. A inovação, capaz de resolver os problemas, comporta fases de investigação e desenvolvimento que não podem ser ignoradas. A atitude “financista”, de curto prazo, da governação, tem longas tradições em Portugal e em muitos outros países. Parece que é habitual pensar que basta ter uma vaga ideia, nova ou repescada, e depois deitar-lhe bastante dinheiro por cima para que, em breve trecho, aconteça um milagre.
Embora, desde Arrow e Akerlof, passando por Rommer e Stiglitz, saibamos que o mercado não basta, para assegurar uma verdadeira economia do conhecimento, também sabemos que um quadro de apoios estatais que falhe em promover um, real, desenvolvimento cognitivo, arrisca-se a ser pernicioso, a longo prazo.
A promoção do desenvolvimento não funciona com o monopólio dos “financismos”, consubstanciado uma perigosa “subsidiocracia”.

II. EXEMPLOS DE COGNITIVISMO
No vertente caso concreto, das candidaturas conjuntas, ainda vamos a tempo de promover alguns projectos-piloto nesta área da cooperação entre explorações, já que a ideia de cooperação é excessivamente importante para voltar a esquecer-se. Estes projectos-piloto podem, por exemplo, inscrever-se no capítulo do PRODER dedicado ao conhecimento (o subprograma 4).
A velha atitude “financista”, por oposição a uma atitude “cognitivista”, orientada para a organização de estruturas produtoras de saber, parece revelar-se, também, no facto deste subprograma 4 ter sido pouco debatido e estar, ainda, mais atrasada que outras fases do PRODER. Sem um grande debate, para o qual pode parecer não haver já tempo, corremos o risco deste subprograma 4 repetir os erros de anteriores apoios, às áreas da investigação aplicada, informação e formação. O funcionamento destas áreas passa, antes do mais, pela construção de órgãos de gestão do PRODER que comportem verdadeiras parcerias público-privado. O Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional (COTHN) é um exemplo do que poderia ser um fórum de gestão de programas integrados de investigação-informação-formação. Infelizmente, depois de um inicial momento de grande aproximação entre o Estado e este fórum associativo, assistimos a um progressivo afastamento. Quem decide o que se investiga e quem investiga? Qual o papel das empresas e do Estado nesta decisão? Quem e como se avalia a investigação? Como estão ligadas as carreiras dos investigadores ao sucesso prático das suas investigações? Como estão interligadas as estruturas de investigação com as estruturas de informação e formação? Estas são algumas das perguntas que podem orientar um debate sobre a investigação aplicada, informação e formação. Possivelmente, algumas das respostas passariam pela desenvolvimento de fóruns público-privado, inseridos em redes internacionais, capazes de tomar decisões sobre o que deve ser investigado, sobre como deve ser avaliada esta investigação, sobre como se deve ligar investigação a formação, etc.. Aliás, este tem sido, com algumas cambiantes, o modelo habitual noutros países.

III. O PRÓXIMO PASSO
Claro que existem muitos problemas de governação que podem e devem ser resolvidos de uma forma financista, muito mais directa e imediata do que a linha cognitivista. Contudo, o curto prazo do financismo é, frequentemente, insuficiente. A atitude cognitiva comporta, sempre, o apoio a uma componente de criação e disponibilização de novos saberes, durante a qual, aliás, o apoio do Estado não se confina a legislar o apoio financeiro a projectos mas que inclui, também, muita atenção, diálogo e flexibilidade, de forma continuada e persistente, ao longo dos projectos. Um exemplo da atitude cognitiva já foi dado. Tratar-se-ia de preceder o apoio, genérico, a candidaturas conjuntas, no PRODER, com uma fase de projectos-piloto, de investigação-acção, incluindo benchmarking internacional e grande abertura ao diálogo público-privado. Um outro exemplo foi referido em relação à gestão do subprograma 4. Muitos outros poderiam ser dados.
Apesar de não ser tão clara quanto se desejaria, a atitude cognitivista tem aparecido, progressivamente, mais presente, na governação. Por exemplo, o diálogo público-privado na concepção e elaboração do PRODER foi extenso e muito meritório, pelo menos numa fase inicial, até que o tempo começou a urgir. A tónica na formação e elaboração de planos empresariais, na componente de apoio à instalação de jovens agricultores, é um vector cognitivista de realçar.
De facto, do financismo ao cognitivismo não se trará de fazer uma revolução salvacionista (outro velho vício recorrente) mas sim de tomar maior consciência, progressivamente, da importância que, em todos os comportamentos económicos, deve ter a promoção do saber, o desenvolvimento do tecido organizacional, a necessidade de dialogar extensamente e de planear e replanear constantemente, em sistemas mistos público-privados.